Por: Jadson Targino
Um dos textos mais evocados em defesa dos modelos de governo eclesiástico presbiteriano ou congregacional é o texto de Atos dos Apóstolos 14,23, segundo o qual Barnabé e Paulo, “havendo por comum consentimento eleito anciãos em cada igreja, orando com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido” (ACF).
Há, todavia, um aforismo proverbial italiano segundo o qual “traduttore, traditore”, ou seja, o “tradutor é traidor”, significando que é comum que traduções não exatamente correspondam ao sentido das frases no idioma original em que foram escritas. Ele se aplica muito bem a esse caso.
Enquanto a ACF parece dar a entender que houve uma eleição democrática (“comum consentimento”), ao estilo presbiteriano ou congregacional, onde os fiéis elegem seus líderes, basta uma rápida consulta às outras traduções para constatarmos a tendência duvidosa da tradução “acfeana”:
— “Paulo e Barnabé «designaram-lhes» presbíteros em cada igreja; tendo orado e jejuado, eles os encomendaram ao Senhor, em quem haviam confiado.” (NVI)
— “Em cada igreja «os apóstolos escolhiam presbíteros». Eles oravam, jejuavam e entregavam os presbíteros à proteção do Senhor, em quem estes haviam crido.” (NTLH)
— “Em cada igreja «instituíram anciãos» e, após orações com jejuns, encomendaram-nos ao Senhor, em quem tinham confiado.” (Avé Maria)
— “Por fim «tendo-lhes ordenado» em cada Igreja seus presbíteros, e feito orações com jejuns, os deixaram encomendados ao Senhor, em quem tinham crido.” (Pe. Figueiredo)
Em suma, o texto bíblico diz que os apóstolos é que escolheram os presbíteros que cuidariam daquele rebanho, não eles para si mesmos. Em constraste, algumas versões (ex: NAA) vertem como se Paulo e Barnabé tivessem “promovido eleições”.
Além do trecho “comum consentimento” e do verbo “promover” não constarem no original, sendo, portanto, adições tendenciosas, basta ler os versos anteriores (v. 20-22) e se constatará facilmente — em decorrência dos quatro outros verbos onde os sujeitos eram Paulo e Barnabé — que a leitura mais natural do texto, na continuidade do contexto, é que a dupla apostólica elegeu, designou ou instituiu os presbíteros ali, não a comunidade. O sujeito, ou seja, aquele que executa a ação referente ao verbo eleger (cheirotoneó) são os apóstolos, enquanto a comunidade é aquela que se beneficia da ação executada por eles. No original consta: Χειροτονήσαντες δὲ αὐτοῖς, literalmente: “tendo [os apóstolos] escolhido para eles [a comunidade]”. Paulo e Barnabé como sujeitos do verbo, os presbíteros como objeto direto da escolha e a comunidade local como objeto indireto, para quem os presbíteros foram escolhidos, enfim.
Longe de ser um texto-prova contra o governo episcopal, talvez esse seja um dos textos mais fortes em favor do episcopado.
Como em concordância São João Crisóstomo comenta:
“Por que eles [Paulo e Barnabé] não fizeram anciãos em Chipre nem em Samaria? Porque o último estava perto de Jerusalém, o primeiro de Antioquia, e a palavra era forte ali; enquanto naquelas partes eles precisavam de muito consolo, especialmente os gentios, que deveriam ter muita instrução.” (Comentário em Atos 14,23).
Em suma, o Novo Testamento não reconhece qualquer outra “porta” para entrada no ministério eclesiástico a não ser a ordenação por um Apóstolo ou por alguém previamente ordenado por eles. É a isso que damos o nome de Sucessão Apostólica.
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Sola Scriptura. Espero que tenham pegado a referência. =)